Frente a uma sociedade exausta, a moda se despede de excessos e aposta em peças “silenciosamente” luxuosas – itens perenes que prezam pelo primor da construção e da matéria-prima
Tricô HUGO BOSS, calça JACQUEMUS na NK STORE, brincos CARLA AMORIM, colar CHANEL e sapatos PRADA
Ao longo dos últimos anos, em um mundo tomado pelas redes sociais, desfiles de moda vêm se transformando cada vez mais em um espetáculo para o Instagram, com cada marca em busca de seu momento viral. Que tal reunirmos 68 pares de irmãos gêmeos desfilando looks idênticos em passarelas espelhadas? Ou receber os convidados entre toneladas de lama em um cenário pós-apocalíptico? Escalar a Cher para encerrar o desfile? Ou a Paris Hilton! No fim, o que acaba menos importando ali é a roupa.
Estamos tão acostumados a tamanhos excessos que, nas mais recentes passarelas de prêt-à-porter e alta-costura, foi justamente quem se movimentou na direção contrária que mais chamou a atenção. Assim como Gisele Bündchen roubou os holofotes do Carnaval a bordo do look mais simples que se possa imaginar (calça justa branca e abadá recortado como um top, uma recriação da produção usada por ela duas décadas antes), são as roupas discretas a bola da vez na moda. Discretas e muitíssimo bem-feitas. Alfaiataria ultrassofisticada, savoir-faire de primeira. Peças com códigos de perenidade, acabamento fenomenal, pensadas para durar. O tipo de roupa que não anuncia seu valor de maneira óbvia (com logotipos e decorativismos). Que, ao invés de “gritarem” quando vestidas, sussurram um luxo mais secreto e iniciado, que faz mais sentido para quem está usando do que para o resto do mundo. Um luxo sem excessos e sem ostentação, baseado em construção e primor.
Na Bottega Veneta de Matthieu Blazy, roupas que parecem “banais” à primeira vista (como o jeans e a camisa xadrez usados por Kate Moss no desfile de verão 2023) são na verdade itens superelaborados de couro, os quais só uma casa com tão rica tradição artesanal seria capaz de desenvolver. A escalação do novo diretor criativo Sabato De Sarno para a Gucci dá a entender que a marca seguirá um caminho menos extravagante – especialistas apostam inclusive que o desejo da casa italiana é se voltar para uma moda mais atemporal, nos moldes das rivais Louis Vuitton e Hermès, que continuaram a crescer apesar da instabilidade econômica causada pela pandemia de coronavírus em todo o mundo. Phoebe Philo, rainha do luxo simplificado que atende perfeitamente à mulher contemporânea, lança finalmente em setembro a grife que marcará seu retorno à moda após seis anos, e que tem participação minoritária do grupo LVMH. E, após as polêmicas causadas pela grife no fim do ano passado, até Demna (ex Gvasalia) disse que irá deixar de lado o buzz na Balenciaga e focar em fazer roupas bem-feitas, resgatando o que realmente foi importante para a marca na época do fundador Cristóbal Balenciaga.
“É um movimento que faz cada vez mais sentido no mundo, porque ele é correto e consciente com os tempos atuais. A moda tem olhado muito para o que é necessário de fato, como se comunicar com esse mundo pós-pandêmico, com uma guerra acontecendo e desafios cada vez maiores”, diz Natalie Klein, fundadora da NK Store, multimarcas na qual o quiet luxury não é filosofia do momento, mas de vida. Natalie conta que, pós-pandemia, tem visto uma mudança na percepção do valor da roupa por parte das clientes. “Não do preço, do valor. Elas veem muito valor em ter peças de 15 anos atrás, que seguem usando até hoje. Ao contrário daquela história antiga de renovar o guarda-roupa a cada coleção, vêm em busca de itens que sejam complementares ao que já têm, de comprar apenas o que é necessário para atualizar o armário que já possuem. Acho que essa é a filosofia do futuro, deixar excessos de lado e ir construindo sua identidade com o seu guarda-roupa.”
“É uma questão também de fluxo e ciclo da moda. Criadores conectados com nossos tempos estão se afastando da exibição absurda da mídia digital, mostrando uma discrição elaborada. Mas são clássicos renovados para os dias de hoje; uma roupa, por exemplo, que funciona em movimento”, pondera Costanza Pascolato, que observa também como, nas primeiras filas, os próprios editores e profissionais da moda estavam vestidos de maneira mais sóbria.“São peças obviamente sensacionais, com muita história por trás.”
Estrategicamente, apostar em criações atemporais também costuma ser a receita certa para tempos de economia incerta. Assim como a crise financeira de 2008 levou a um momento de sobriedade estética na moda (capitaneado por Phoebe Philo), tempos de imprevisibilidade tendem a produzir consumidores mais atenciosos e cuidadosos com suas compras, que preferem investir em itens com potencial para durar, ao invés de algo que seria descartado após uma única estação.